quinta-feira, 4 de maio de 2017

Reforma Previdenciária

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA NO BRASIL
Resumo da discussão promovida no VI Simpósio de Atuária (UFRN)
Com as participações de Denise Gentil (UFRJ) e Frederico Melo (DIEESE) 

Luiz Carlos Santos Júnior[1]
luiz.atuario@gmail.com


As propostas de novas reformas na previdência, segundo a Fundação ANFIP (2016), giram em torno de sete (7) itens: 1) Financiamento da Previdência Social: receitas, renúncias e recuperação de créditos 2) Demografia e idade mínima das aposentadorias 3) Diferença de regras entre homens e mulheres 4) Regras das pensões por morte 5) Previdência rural: financiamento e regras de acesso 6) Regimes Próprios de Previdência 7) Convergência dos sistemas previdenciários. No presente texto, com o intuito de introduzir (e estimular) o debate junto ao maior número possível de pessoal, optou-se por simplificar e apresentar informações referentes aos três (3) primeiros itens.

1 INTERPRETAÇÕES ACERCA DA QUESTÃO PREVIDENCIÁRIA

A discussão acerca da questão (e “crise”) previdenciária no Brasil é antiga. Rezende (1984), por exemplo, identificou quatro óticas interpretativas relativas a este debate: Estruturalista, Conjunturalista, Assistencialista e Moralista.

Segundo a ótica Estruturalista, o progressivo envelhecimento da população (decorrente da queda na taxa de fecundidade) e o aumento na expectativa de vida explicam a crise previdenciária brasileira; para a “escola” Conjunturalista, a crise previdenciária brasileira é consequência da crise econômica que o país atravessa – menor crescimento da taxa de emprego e precarização do mercado de trabalho desincentivam o aumento da receita; a Assistencialista culpa a progressiva ampliação das responsabilidades do sistema de previdência no âmbito da política de assistência social do governo; a Moralista afirma que a crise previdenciária se manifesta pelo uso de engenhos de má-fé e corrupção, facilitado pela burocracia e centralização (que provoca falta de transparência das contas e de fiscalização da sociedade).

Segundo Fagnani (2007), as diversas abordagens sobre as causas do desequilíbrio do sistema previdenciário (se é que há desequilíbrio), polarizam o debate em duas visões: as causas seriam internas, ou seja, referentes ao próprio sistema previdenciário (suas regras, planos de benefícios etc.) e o foco do saldo previdenciário recai sobre os gastos; ou seriam externas, isto é, vem de fora do sistema (estagnação econômica, precarização do mercado de trabalho etc.), com foco do saldo previdenciário recaindo sobre as receitas. O primeiro grupo também é conhecido como endógeno; o segundo, como exógeno. Sendo assim, qualquer discussão que aborde apenas parte dessas causas naturalmente deixa uma lacuna.

2 RESULTADO OPERACIONAL

De forma agrupada, diz-se que uma economia é formada por três tipos de sujeitos econômicos: as Famílias, as Empresas e os Governos. Independente de quem se fala, quando se analisa o resultado operacional, averígua-se, simplificadamente, a diferença entre Entradas e Saídas (salário x consumo; faturamento x custos; tributos x gastos, respectivamente). Se o volume monetário referente a Entradas superar o de Saídas, diz-se que o sujeito apresenta superávit (saldo positivo); se o volume de Entradas for inferior ao de Saídas, que apresenta déficit (saldo negativo); quando se equiparam, equilíbrio (saldo zerado). A seguir, introduz-se a discussão sobre fatores que influenciam o resultado operacional previdenciário.

3 FATORES QUE INFLUENCIAM O “RESULTADO PREVIDENCIÁRIO”

Para falar de Previdência de forma responsável, é preciso considerar o impacto de pelo menos dois grupos de fatores (os mais determinantes) sobre suas Entradas e Saídas: os econômicos e os demográficos.

3.1 FATORES ECONÔMICOS

O Governo Temer[2] (bem como o Governo Dilma), de acordo com suas prioridades, vem se utilizando de políticas econômicas recessivas, o que contribui para a redução de receitas (inclusive a previdenciária).

Seguindo um raciocínio linear – que possui limitações, mas facilita a compreensão de Tendência – e mantidas inalteradas todas as outras coisas, a política monetária (segundo o Modelo LM), por exemplo, reduz a quantidade de moeda nacional (Real R$) em circulação, provocando sua escassez e sua consequente valorização. Assim, espera-se que o Real fique mais caro, ou seja, que as taxas de juros nominais aumentem. A valorização dos juros desincentiva o investimento no mercado produtivo (fica mais caro tomar empréstimo para abrir seu próprio negócio ou para fazer reinvestimentos) e incentiva o investimento no mercado financeiro (já que juro representa sua quase-renda). Deste modo, o nível de emprego tende a cair, assim como o nível de renda e a demanda por bens e serviços. Logo, a inflação, se provocada pela demanda, tende a ser controlada.

A política fiscal (segundo o Modelo IS), por exemplo, reduz os gastos do governo e conserva num alto patamar  a carga tributária. Essa política também tende a reduzir o nível de emprego, o nível de renda e a demanda por bens e serviços. Logo, a inflação, se provocada pela demanda, também tende a ser controlada.

As decisões de Política Econômica representam Variáveis Exógenas que são determinadas pelas Autoridades Monetárias e/ou Executivas; faz-se alusão aos Instrumentos que permitem levar a cabo as medidas tomadas na Esfera da Decisão. Assim, propõe-se uma troca quando se provoca (ou se agrava) propositadamente recessão econômica para combater inflação. Consequência disso é que tal recessão, além da queda do número de emprego, da taxa de crescimento real da taxa de contribuição das receitas da seguridade social e do RGPS, impactam negativamente a Receita Previdenciária (Entradas) em decorrência de "escolhas" (políticas).

Não se pode desconsiderar, ademais, o impacto inverso da baixa produtividade do país e da precarização do mercado de trabalho[3] (com tendência a se agravar em virtude da terceirização de atividades-fim).

3.2 FATORES DEMOGRÁFICOS

Boschetti (2003) relata que a necessidade da reforma é justificada, basicamente, com dois argumentos: a existência de déficit e as mudanças dos padrões demográficos.

Mas o fato é que a assertiva de que existe déficit previdenciário no Brasil não é aceita e defendida de forma unânime – há controvérsias. O próprio Boschetti (2003) questiona tal constatação, além de trabalhos elaborados por pesquisadores da ANFIP, UFRJ, DIEESE, dentre outros.

Com relação às mudanças dos padrões demográficos, é sabido que o envelhecimento populacional (e a inclusão previdenciária) tem contribuído com o aumento dos gastos (Saídas) – maiores volumes monetários desembolsados, por mais tempo – com pagamento de benefícios previdenciários. A princípio, e em termos de Resultado Operacional, essa informação nos remete a um estado de alerta para que não haja déficit (ou aumento dele, caso ele já exista). Por outro lado, isso significa que o brasileiro está mais acobertado pela Seguridade Social e vive mais hoje que em períodos passados, em conformidade com o que propõe BRASIL (1988), artigo 194: "A seguridade social compreende um sistema integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social". A Seguridade Social é, deste modo, um sistema de política social (solidário e equânime) e seu custeio é de responsabilidade da sociedade como um todo, sendo seu risco coberto pelas contribuições individuais e a obrigação assumida pela Seguridade Pública.

Mas é preciso ressaltar que o país passa pelo chamado bônus demográfico, situação (que alcançará seu ápice entre 2020 e 2030) em que se diminui ao menor nível a razão entre a população em idade não ativa (crianças e idosos) e a população em idade economicamente ativa. Um período de bônus demográfico significa que um país tem mais força de trabalho em relação às pessoas inativas, materializando-se num excedente de pessoas para produzir e pagar impostos, bem como para pagar contribuições previdenciárias, contexto ideal para o Regime que se utiliza do sistema de Repartição Simples.

Tratando-se da idade mínima de 65 anos para se aposentar (“idade de Europa”), algumas características relacionadas ao idoso, bem como ao mercado de trabalho no Brasil, não estão em consonância com o proposto nesta reforma: no Brasil, existe uma maior probabilidade de o indivíduo não atingir 65 anos; a taxa de desemprego para maiores de 65 anos é de 29%; os brasileiros, em média, possuem 6 meses de "vida sudável" após a aposentadoria (65 anos de idade), enquanto que a "expectativa de vida com saúde" noutros países chega a ser de 10 anos, sendo, em média, de 6,5 anos (PERRUCC, 2016). Ou seja, mesmo que o brasileiro atinja a idade de 65 anos, ele tem grande chance de não ser absorvido pelo mercado, quer seja por ser idoso, quer seja por não ter saúde suficiente.

A reforma desconsidera também a grande variabilidade que existe, no Brasil, referente à esperança de vida ao nascer e ao tempo residual de vida (dado que a pessoa sobreviveu até os 65 anos). Uma pessoa nascida no Norte (72 anos) ou Nordeste (72,8 anos) possui “indicadores” mais baixos que as nascidas no Centro-Oeste (74,9 anos), Sudeste (77,2 anos) e Sul (77,5 anos).

Cabe destacar também a diferença entre Idade Mínima e a Idade de Referência. Em Portugal, por exemplo, tem-se idade mínima (proporcional) de 55 anos para homens e mulheres e idades de referência (integral) de 65 anos para homens e mulheres, com idade de saída de força de trabalho de 63,1 anos (em média).

Além disso, a regra estabelecida para o mecanismo (gatilho) que atualiza (aumenta) a idade mínima com o incremento da expectativa de vida é demasiada injusta. Mudanças na idade mínima legal de aposentadoria em todo mundo ocorre com gradualismo, menos no Brasil.

Com relação à diferença de idade mínima entre homens e mulheres, a igualdade não se justifica no Brasil. De acordo com o IBGE, a remuneração das mulheres (para qualquer nível de escolaridade) é inferior à dos homens, sendo maior a diferenciação quanto maior a escolaridade for. Segundo a PNAD de 2013 (analisando-se pessoas que trabalham 40 horas por semana, não estudam e não exercem outro trabalho), a mulher trabalha, em média, 24h semanais a mais que os homens. Como se não bastasse, elas preenchem as ocupações menos valorizadas, possuem maior dificuldade para entrar no mercado de trabalho, lidam com a particularidade da maternidade e as sobrecargas no âmbito familiar (decorrente da cultura estabelecida em nosso país). 

Quando houver igualdade entre os sexos na remuneração, nas condições de trabalho, e na participação no lar, a alteração na idade para a aposentadoria das mulheres poderá ser revista, o que já ocorreu em alguns países.

4 A PREVIDÊNCIA PÚBLICA NO BRASIL É DEFICITÁRIA?

Segunda a professora Dra. Denise Gentil, a primeira observação que se pode fazer é que, particularmente no período pós-1999, poucas vezes o déficit existiu. É importante chamar atenção para o excedente de recursos no caixa do INSS em diversos anos, que alcançou as cifras dos bilhões de reais. Segundo ela, não seria realista falar em crise previdenciária ou falência do sistema previdenciário diante de semelhante quadro financeiro.

A segunda é que receitas próprias da seguridade social (como COFINS, CSLL, CPMF e receitas de concursos de prognósticos), são tratadas como transferências da União (e são arrecadadas e administradas pelo Ministério da Fazenda e depositadas no Banco Central), embora sejam recursos vinculados ao orçamento da seguridade social, por determinação constitucional. Pela metodologia de elaboração do fluxo de caixa, a única receita prevista na Constituição Federal que recebe o tratamento de recebimentos próprios, arrecadada e gerida pelo INSS, é a contribuição social dos empregadores incidentes sobre a folha de salários e a contribuição ao INSS dos trabalhadores.

Conforme a ANFIP, a terceira é que as desonerações tributárias (que em 2015 foi R$ 69,7 bilhões), a Desvinculação da Receita da União (R$ 63 bi foram desviados em 2015 para pagamento de dívida pública), a dívida ativa[4] (débitos previdenciários de 2011 a 2015 apresentam aumento de estoque da dívida, queda da arrecadação e queda de percentual recuperado), a sonegação fiscal (segundo o SINPROFAZ, a sonegação só em relação à contribuição previdenciária é de R$ 103 bilhões), o aumento da disponibilidade do Governo Federal no Banco Central do Brasil (hoje supera R$ 1 trilhão), dentre outros fatores, contribuem para a redução da receita previdenciária.

Salienta-se que muitas das “escolhas” são justificadas (têm boa intenção, mas na prática não funcionam, quer seja por falta de contrapeso, quer seja por falta de fiscalização): as desonerações, por exemplo, apresentaram de 2011 a 2013, respectivamente, os valores de 20, 30 e 44 bilhões de reais, o que corresponde a 4% do PIB (em média) – um valor superior ao que é gasto com Seguridade Social e Ciências e Tecnologia. Elas existem para estimular o (re)investimento, o que não ocorre (em grande parte) porque não há exigência de contrapartida. Com a renúncia por parte do governo, o não pagamento e o não investimento por parte da empresa, esses montantes viram “lucro”.

Ou seja, existe, de um lado, a possibilidade de uma empresa ser desonerada, possuir dívida ativa, sonegar. Enquanto o Governo, de outro, acumula recursos da previdência para credibilizar o sistema financeiro (formação de colchão, “Hedge”) – e assim mitigar os riscos do referido sistema –, o que não é necessariamente ruim, desde que as condições estejam mais favoráveis para que haja tal “desvio” (superávit previdenciário, país em franco crescimento, melhorias nos índices de desenvolvimento humano e qualidade de vida).

Se o déficit existe, porque o Governo desvia recursos da Seguridade Social e Previdência para outras Pastas (além de optar por abrir mão de tanta receita)? Sendo o alegado déficit de 2015 correspondente à “pequena” quantia de R$ 85,8 bilhões, e considerando-se a soma de todas as fontes de receitas, o saldo da Seguridade Social superavitário em 2015 foi de R$ 11,1 bilhões (esse saldo foi de R$ 55 bilhões em 2014). Além disso, qualquer combinação dos itens elencados na segunda observação feitas nesta seção levaria à quitação do déficit.

Levanta-se outro importante questionamento: quais as pautas que mais compõem a dívida pública do Brasil? Hoje, são os juros nominais (rolagem da dívida – R$ 407 bilhões), o impacto de câmbio sobre dívida (ajustes cambiais – R$ 198 bilhões) e o primário (R$ 155 bilhões).

CONSIDERAÇÕES

De modo sucinto, tem-se um cenário de geral de redução de receitas e aumento de gastos. As previsões (ilusórias) até 2060 apontam agravamento (superestimado) do déficit, já que subestimam receitas e superestimam as despesas.

É necessário rever as políticas econômicas, visto que são exógenas, quer dizer, dependem da escolha do Governo. Além disso, é preciso rever o nível da renúncia fiscal, as DRUs, o tratamento da dívida ativa, a fiscalização da sonegação, o lastro acumulado pelo BACEN para tornar crível a capacidade de liquidez do mercado financeiro, as estimativas de receitas e gastos previdenciários, o modelo atuarial adotado, dentre outros fatores que afetam as Receitas Previdenciárias.

A Terceirização, por exemplo, ataca tal Receita em duas frentes: a alíquota de arrecadação será reduzida e a “quantidade” de folhas de pagamentos também.

De acordo com as características demográficas (que estão sendo desconsideradas nesta reforma), os mais pobres contribuem menos tempo em virtude do subemprego, o que tende a postergar sua idade de aposentadoria. 

Assim, Frederico Melo (DIEESE) afirma que a Reforma é parcialmente justificada por inverdades (há o envelhecimento, mas não há déficit); que a Reforma é contra a mulher, o pobre e as regiões mais vulneráveis do país; que a Reforma não melhora / ameniza problema de pobreza e desigualdade, pelo contrário, aprofunda a desigualdade.

Diante de tantas escolhas deliberadas que minam o Sistema Previdenciário, resta-nos questionar: se existe déficit, porque não se inicia seu enfrentamento por meio de termos qualitativos, quer dizer, avaliando-se a qualidade dos gastos e o aspecto apontado pela vertente Moralista? Por que a reforma não atinge a todas as categorias? Por que em tempos de ajuste, as classes política e jurídica têm aumento salarial? Com que intenção se diminuem as receitas previdenciárias? A quem interessaria o desmantelamento da Previdência Pública?

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

BOSCHETTI, Ivanete. Implicações da reforma da previdência na seguridade social brasileira. Psicol. Soc. [online]. 2003, vol. 15, n. 1, pp. 57-96. ISSN 0102-7182. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000100005.

FAGNANI, Eduardo. Previdência social e desenvolvimento econômico. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/Downloads/Publicacoes/TextosDiscussao/textos140.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2008.

Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social e Tributário e Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP). Previdência Social: contribuição ao debate. Equipe técnica Décio Bruno Lopes... [et al.]. -- Brasília: Fundação ANFIP, 2016.

REZENDE, Fernando. A imprevidência da previdência. Revista de Economia Política, São Paulo. v. 4, n. 2, p. 51-68, abr. 1984. Trimestral.

OUTRAS BIBLIOGRAFIAS UTILIZADAS E SUGERIDAS











[1] Professor do Departamento de Finanças e Contabilidade da UFPB.
Atuário e Economista (UFRN), Mestre em Administração (UFRN), Doutorando em Biometria (UNESP).
[2] Apesar da recente redução da taxa de juros, ela ainda se configura num patamar muito alto, principalmente quando se verificam os juros reais.
[3]O brasileiro contribui, em média, em 8 dos 12 meses (DIEESE).
[4] O percentual cobrado do estoque vem caindo de 2011 a 2015: 1,36%, 1,70%, 1,5%, 0,33% e 0,32%, respectivamente.