segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Abstrações Desnecessárias


Lembro-me de certa vez que estava cá, conversando com meus botões. Em determinado momento me veio à mente a clássica imagem do anjo e do diabo, um de meu lado direito, o outro do esquerdo. Eles apareciam (e continuam aparecendo) inúmeras vezes, quando precisava (e continuo precisando) tomar alguma decisão.

Um deles poderia me sugerir que atravessasse o caminho “a”, mais curto, porém perigoso¹. Isso tornaria o trajeto mais interessante para muitos, afinal de contas diz-se que o risco é algo atraente; o outro, por sua vez, me apontaria o caminho “b”, mais longo, porém mais seguro².

Soa estranho o fato de algo ser mais fácil e ao mesmo tempo se ter menos probabilidade de dar certo; não menos estranho é pensar em algo difícil com menos chance de se concretizar num erro. Mas essa é a lógica que funciona, por exemplo, no mercado financeiro: se se escolhe investir num ativo de alto risco, sua remuneração será maior - caso o negócio dê certo.


Estudiosos da heurística certamente ririam deste tipo de tomada de decisão: escuto que personagem numa hora dessas? O anjo? O diabo? Ignoro a empiria e meus conhecimentos de passado? Ignoro também minhas expectativas e conhecimentos de futuro? Por um segundo esqueço-me de parâmetros de um mundo “real” e divago numa esfera - metafísica dogmática - que não compreendo, e, para falar a verdade, não provo que existe.

Se eu procuro escutar o anjo, esse “triálogo” – entre mim, o anjo e o capeta – pode ser reduzido (em termos quantitativos) a uma simples conversa entre mim e Deus, onde eu sou o insensato, sempre (por ser humano, passível de erro). Deus é o sensato nesta relação, não há dúvidas. Ou seja, três é igual a dois!

O fato é que nós, seres humanos, quando nos deparamos com uma escolha, hesitamos inicialmente: escolho o que proporciona exclusivamente o meu prazer? Penso no bem-estar de mais alguém? Mais que isso, proporciono bem-estar alheio? A partir daí, creio eu, surgiram alguns conceitos de atitudes corretas e incorretas, quando não se é e quando se é egoísta, respectivamente.

Creio que minha conversa com Deus se materializa quando converso comigo mesmo, com meu lado possuidor de bom senso. Afinal de contas sou gente, pecador, mas uma parte de mim é boa. Você me permite acertar de vez em quando? Justo eu, pessoa como outra qualquer, preocupada com a satisfação de minhas necessidades (e que possuo também um lado insensato!)! E o questionamento paira.

Essa tal de insensatez (“trialógica”), aos poucos, começa a se/me confundir. Retorno de minhas abstrações desnecessárias, após a percepção do ciclo. E aos poucos esqueço esta conversa, de cá.


1-“Perigoso” denota aqui maior grau de risco.

2-“Seguro” denota aqui menor grau de risco.

sábado, 22 de agosto de 2009

Cobiça


Contente-se com o troféu invisível, que ninguém vê.

Exibi-lo provoca cobiça.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um suspiro


Saudades,
Cumprimentos mentais
A minha senhora, que em plena aurora
Cisma em manter, sem esforço,
Minha afeição.

Saudades,
Suspiros intelectuais
A minha amada, e na alvorada
Faz-me ter mágoas, sem custos,
Por sua privação.

Saudades,
Lembrança grata
De sua ausência,
A qualquer hora do dia,
Subterfúgio de minha solidão.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O Vacilo do Vassalo


Entre a cruz e a espada,
E os costumes hereges feudais,
Sempre que a dada submissão
Não sacia a sede do suserano,
A sociedade sente-se ainda mais
Com o pescoço na guilhotina.
.
O vassalo serve à religiosidade da usura.
.
.
Outras negações
Põem a vista a redenção dos pecadores
E o pecado dos puros,
Que erram não por serem submissos,
Mas por aceitarem a dominação.
Eis o vacilo do vassalo.

sábado, 1 de agosto de 2009

O resto

Aquilo que sobra ou sobeja.

Pena que algumas pessoas distorçam seu significado, associando-o a algo que não presta, que não serve mais e que já foi consumido em sua totalidade. Mas isso não é verdade. O resto também pode ser visto como uma oportunidade, como um passatempo etc.

Quando digo “pode ficar com o resto”, esse excesso pode não ser valorizado por mim, mas pode ser querido por alguém. O que sobra em meu prato é excedente, obviamente. Mas isto pode ser a refeição de outra pessoa ou, “na pior das hipóteses”, de um animal qualquer. O que sei é que meu resíduo não vai necessariamente ao lixo, ser lixo, ser algo inútil. Resto não é lixo. Excesso não é algo ruim. Ele pode ser renegociado; reutilizado. Basta darmos outro corpo, agregar valor, inovar. A reciclagem está aí para isso (mentira, a reciclagem está aí para ser vantagem competitiva de empresas hipócritas).

Resto pode ser excesso, mas também pode ser algo que fica por dizer ou por fazer. Então te conto o resto depois.

Resto é matemática. O divisor dividido pelo dividendo nos dá como resultado um quociente somado a um resto. Nove dividido por seis é um. Sobra três. Três é resto. Simples assim.

Gosto do gosto, do gasto e de quem gosta de mim. O resto deixo pra lá. Os outros pouco me importam.

Observemos com tento a sentença subseqüente:

“O resto da sorte daquele setor pertence aos retos da empresa”. (CAJU, 2008).

Resto: já foi bastante conceituado, vamos para a análise do próximo termo destacado.

Sorte: destino, acaso; em se tratando de boa sorte, escassez de azar, excesso (ou resto) de sorte.

Setor: parte distinta, zona; é fragmento e se somado a outros setores da instituição, novamente nos dará um excesso (resto) de seções.

Retos: porções finais dos intestinos grossos, via de eliminação do material restante após a digestão e absorção dos alimentos; que não são tortos, sem sinuosidades; justos, imparciais; seguem sempre na mesma direção.

Depois dos pertinentes comentários, creio que a interpretação seja livre, mas trabalho com a versão “o que sobrou da boa sorte daquela seção pertence aos justos da empresa”. Notemos que consegui formar, em minhas horas vagas, algumas palavras utilizando-me de todos os elementos do conjunto X = {r, e, s, t, o}. É, eu jogo “letroca”.

Peço perdão (mais uma vez, se compliquei sua vida!) pelo triste encerramento do texto, mas comprovo aqui que resto é oportunidade de, através de meu passatempo, esgotar o resto (ou o pouco que sobrou) de vossa paciência...