Outro dia, revendo o documentário A Ilha das Flores, de Jorge Furtado, deparei-me com a seguinte frase de Cecília Meireles:
“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
Parei alguns minutos para refletir.
Indaguei-me sobre o que seria liberdade para mim, e deste modo, se sou livre (no dicionário, livre “é o estado daquele que tem liberdade”). Mas retomando o conceito de Meireles, as coisas ainda não estavam tão claras para mim.
De antemão liguei o termo às condições física e psíquica de um indivíduo, em seus diversos níveis. Sendo assim, Ramón Sampedro, personagem do filme Mar Adentro (de Alejandro Amenábar), não é livre. Muito menos alguém com morte cerebral.
Em seguida, associei liberdade à ideologia. Lembrei-me imediatamente de Guerreiro Ramos, que dizia que
“não dispõe o indivíduo do piso firme necessário para que sua identidade se desenvolva. Ele é, antes, compelido a enfrentar processos e mudanças que constituem derivativos de um movimento auto-induzido e indefinido do agregado social. O homem moderno é o tolo enganado por uma fé mal colocada.Os traços básicos da síndrome do comportamento constituem o credo não enunciado de instituições e organizações que funcionam na sociedade centrada no mercado. Não constitui mero incidente o fato de que, em toda sociedade em que o mercado se transformou em agencia cêntrica da influencia social, os laços comunitários e os traços culturais específicos são solapados ou mesmo destruídos. O mercado tende a transformar-se na força modeladora da sociedade como um todo. Conseqüência da ação da política cognitiva1”.
Nós, seres humanos contemporâneos, assimilamos (goela abaixo) uma filosofia de vida de mercado. Para obtermos respeito em nossa sociedade, temos que ser produtivos, temos que ser “bons em alguma coisa”.
Existem modelos que melhoram nossa performance, que nos tornam mais eficientes: são os modelos de especialização. Adam Smith já fazia defesa de seu uso no século XVIII. Ele dizia que o país deveria enfatizar esmagadoramente na produção do recurso que tivesse maior potencial: se o Brasil possui excedente de recurso natural, não seria lógico (em termos de custo) produzir tecnologia. Se essa idéia fosse incontestável, estaríamos fadados às injustiças provocadas pelas trocas desiguais no comércio internacional. Outra crítica que se faz a esta lógica é referente ao risco. No caso de uma diversificação dos bens produzidos, o risco de quebradeira é bem menor.
Isto nos leva a outras perspectivas, postas para discussão: o não-foco e o foco espontâneo, não impostos por uma ideologia de mercado.Minha função utilidade ou simplesmente meu nível de satisfação pode ser maior, por exemplo, quando rompo com a sociedade e não mais curso graduações e pós-graduações porque o mercado impõe ou exige; pode ser maior também no caso em que sigo este caminho porque tenho verdadeira vocação. Mas o que se vê é justamente situação que não estas duas: o número de pessoas com acesso ao ensino superior cresce, o que a priori seria fantástico. No entanto, esse dado não remete melhoria qualitativa. O que quero explicitar é que o modo de vida com foco é verdadeiramente benéfico para o espírito, nossa essência, nos casos em que a busca pelo foco é motivado por inquietude interior. Caso contrário, se o foco não pertence ao seu estilo de vida – ele é imposto pelo mercado e pela sociedade - entregue-se ao generalismo e seja feliz. Garante sua sobrevivência de forma lícita, através de qualquer ocupação, e fuja da condição de “alegre detentor de emprego, vitima patológica da sociedade centrada no mercado”. Ah! Não esquece de assistir ao filme “Into The Wild”.
¹ Política cognitiva consiste no uso consciente ou inconsciente de uma linguagem distorcida, cuja finalidade é levar as pessoas a interpretarem a realidade em termos adequados aos interesses dos agentes diretos e/ou indiretos de tal distorção.
As flores já não são o que eram.
Muito menos as rosas.
A breguice aos poucos se desfaz e
O mundo não se torna menos triste por isso.
Sem pétalas o boêmio não recita seu verso,
Não toca sua viola, nem ao menos brinda.
Guardo no coração momentos os quais semeei,
Vi crescer e se esfacelar todo o meu jardim.
Guardo no coração o romantismo, a amizade e
A paradoxal relação dessa relação.
Frutos surgirão, quiçá outras flores.
Contudo, Rosas como nós...
Os Rosas!
Isso não há de surgir!
Direcionava-me ao estúdio para gravar algumas canções e me deparei, através do pára-brisa de meu carro, com a luz do sol poente. Não se tratava de um tipo de claridade ordinária - aquela iluminação não aparece n’outro dia da semana, ou ainda, ao despertar do dia.
E aquela imagem poética não me saía da cabeça. Tinha um “quê” de coisa singular: iluminada, abençoada. Era contemplada com um tipo de benção às avessas, por se tratar de algo que transparecia onisciência e tristeza. Pareceu-me conhecedor de tudo, ou ao menos de muita coisa. Parecia também saber que a humanidade não tinha mais jeito – “ela se perdera em meio ao caminho rumo à riqueza das nações, sei lá”.
Exercício de prioridades erradas de uma maioria em nome de uma prioridade certa (ou ao menos lógica) de uma minoria. Na verdade nós (a maioria) nos desgastamos muito para sobreviver. Submetemo-nos às regras colocadas pela minoria para conseguirmos ou nos mantermos num emprego qualquer. O trabalho nos dias atuais sofre uma exploração diferente de outrora. Antes, bem antes, nosso cansaço era estritamente físico. Hoje, somado a isso, nos deparamos com uma exploração intelectual, e o conseqüente cansaço mental. E lá de cima se contorce o sábio, crítico e ressacado sol de domingo.
“Procure o equilíbrio: não descanse demais, não trabalhe demais”, o sol praticamente me ordenara. Aliado a isso, desfaço-me de pensamentos de tempos em tempos para descongestionar esta rodovia de informações, senão enlouqueço. Desta forma sou menos condicionado por esta natureza, torno-me mais autônomo.
Não deveríamos sofrer por excesso de obrigações. Selecione-as. Ah, o sofrer de certo alguém, refletido neste sol poente de domingo...