sexta-feira, 26 de junho de 2009

Se não me lembro de nada, não sou ninguém (o empírico e o transcendental)


“Somos quem podemos ser, sonhos que podemos ter”. Ouvi dizer que somos nossa memória, que somos reflexo do que nos lembramos. Nossas atitudes e personalidades implicitam nosso juízo de valor sobre as coisas - nossos pontos de vista acerca da vida. Trata-se do conjunto de experiências e rotinas que são condicionadas muitas vezes pela adaptação, necessidade, esforço...

Quem nunca ouviu uma frase do tipo “não quero que meus filhos passem a necessidade que passei”? São lembranças latentes de dificuldades e superação que refletem numa preocupação futura, para que aquilo não se repita em meio ao próprio meio.

“Meu filho será advogado quando crescer” - faço alusão à projeção. Através das nossas lembranças frustradas de não-conquistas, transferimos algo intangível aos nossos filhos: responsabilidades e prazeres relativos.

“Só lembranças e nada mais” somente na música – porque no mundo real o passado faz parte do presente. Não farei um tratado sobre o tema, mas é cabível lembrar que o passado já foi o próprio presente. Não se iluda pensando que não existe possibilidade de repetição de alguma coisa, positiva ou negativa.

Experiências – vivência e mau costume. Caso número um: sou funcionário público. Em meu trabalho, as atividades se tornam cada vez menos exigentes, visto que me adapto após certo tempo de labuta. Sem me sentir pressionado me torno um empregado menos cuidadoso. Caso dois: Sou marido. Com o passar dos anos, obtenho uma relativa estabilidade em meu casamento. Já não estou tão atencioso com minha esposa - já não estou tão vaidoso. Caso três: Sou motorista. Já faz trinta anos que dirijo! De modo tão natural, nem percebo que o faço.

A rotina nos proporciona detalhes que entranham em nosso modo de ser. Crianças podem crescer em meio a uma guerra religiosa, aceitar aquela condição como uma verdade absoluta. Lutam sem conhecer outro tipo de realidade. Vão às arenas e são condicionadas a achar natural que se mate animais por pura diversão. Pequenos passados atrelados a um grande presente e futuro.

Irrito-me ao perceber que todos se apossam de patrimônio público; irrito-me quando tentam me convencer que isso não está errado, porque “todo mundo o faz”. Eu não sou todo mundo.

Falaria ainda mais sobre mim – contudo é cansativo, o estopim; dançaria a noite toda - se não fosse essa música tola; cantaria para quem eu amasse - seria em vão. Meu passado (gênese de meus princípios) não me permite que eu seja todo mundo - minhas experiências e traumas fizeram de mim um alguém seco. Por favor, escondam a naftalina.

4 comentários:

  1. Uma das coisas boas de ler esse texto foi saber que você chegou vivo em casa... Hehehe

    Já nascemos alienados de nós mesmos, de acordo com as teorias do inconsciente. Caímos numa malha discursiva preparada por aqueles que nos esperam: gênero, nome, profissões cabíveis à classe social, orientação sexual...

    Depois disso, passamos alguns anos tentando romper uma célula narcísica, um cordão umbilical. P'ra depois entrar numa briga que, se der tudo certo, perderemos: Édipo ou Electra.

    Anos agradando, anos decepcionando nossos responsáveis... ainda entramos numa luta que envolve posição junto à matilha, garras e presas pela fêmea-alfa... Só teremos as dúvidas e certezas permitidas pela casta.

    E a gente ainda arruma um jeito de tentar ser feliz, não é verdade?

    Mas é fato que também teremos os problemas sociais, fisiológicos e psíquicos de nossa tribo. E sempre veremos os problemas das outras mais fáceis de ser resolvidos.

    Eita, que é muita abordagem teórica junta... Quem vai acabar fazendo um tratado sobre isso sou eu!

    Carpe Noctem.

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito,o melhor de todos até agora:)

    ResponderExcluir
  3. esquecer nunca é o melhor remédio.concordo que nós somos nossa memória, entao...se esquecermos nao seremos ninguem. o bom é que isso é o que nos diferencia.

    beijo!

    ResponderExcluir
  4. Clarice (a Lispector) disse que é muito perigoso cortar nossos defeitos, pois não sabemos qual deles sustenta nosso edifício. Penso que assim são nossas lembranças: qual delas teríamos coragem de excluir de nossa vida? Seríamos os mesmos sem ela?
    Parabéns pelas reflexões sobre si mesmo e o mundo!

    ResponderExcluir