sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A face oculta do empreendedorismo

te·o·lo·gi·a 

substantivo feminino
1. Ciência da religião, das coisas divinas.
2. Doutrina católica.
3. Curso de estudos teológicos.
4. Tratado de Deus.
5. Reunião de teólogos.

"teologia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/teologia [consultado em 27-09-2013].

O historiador Leandro Karnal afirma que toda teologia apresenta o certo e o errado, aponta quem erra (portanto, o pecador). Geralmente propõe alguma prática religiosa, apresentada e executada em reuniões, guiada por um sacerdote e pela fé. Durante o rito, alguém fala, outros repetem e acima de tudo é importante parecer feliz, afinal de contas a teologia promete a felicidade.
Quando trata da teologia contemporânea, Karnal a classifica em:
1) Teologia da Autoajuda;
2) Teologia das Religiões Neopentecostais;
3) Teologia do Empreendedorismo.

A Teologia da Autoajuda parte do pressuposto que o indivíduo tem que se amar, deve ser positivo, já que o que se imagina de fato acontece. Trata-se de uma teologia vaidosa, que em muitas vezes só ajuda a quem escreve o livro.
A Teologia das Religiões Neopentecostais é uma espécie de teologia da prosperidade, que afirma que ao invés de somente mentalizar (o que ocorria na teologia anterior), o indivíduo deve rezar para resolver os seus problemas. Além disso, a aquisição da fé o tornará bem-sucedido, pois Deus é vencedor e não sofredor (como fora em outros tempos).

em·pre·en·de·do·ris·mo 
(empreendedor + -ismo)

substantivo masculino
1. Qualidade ou .caráter do que é empreendedor.
2. Atitude de quem, por iniciativa própria, realiza .ações ou idealiza novos métodos com o .objetivo de desenvolver e dinamizar serviços, produtos ou quaisquer .atividades de organização e administração.

"empreendedorismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/empreendedorismo [consultado em 27-09-2013].

A Teologia do empreendedorismo, por sua vez, afirma que sucesso é um destino, é a chave do futuro, é tudo. Esta é a mais capciosa das ideologias, pois sustenta a ideia de que “se eu fracassei, a culpa é minha”. É como se somente a coragem, a ousadia e a iniciativa fossem capaz de tornar um indivíduo vitorioso. Para este tipo de teologia o inferno é o fracasso.
Mas este pensamento é exatamente o contrário do que muitos estudos associados à economia experimental e comportamental apontam. Leonard Mlodinow afirma que a mente humana foi construída para identificar uma causa definida para cada acontecimento, podendo assim ter bastante dificuldade em aceitar a influência de fatores aleatórios ou não relacionados. Ou seja, é importante notar-se que o êxito (ou não) pode não surgir de uma grande habilidade (ou da falta dela), e sim, de “circunstâncias fortuitas” (Armen Alchian).
A subversão, na Teologia do Empreendedorismo, é tamanha. Ela faz com que muitas pessoas se espelhem em determinadas referências, tais quais Steve Jobs e Eike Batista, que por vezes fizeram coisas ilícitas ao longo de suas vidas, em busca de suas respectivas ascensões. Mas isso parece não ter tanta importância, tais atos não são pecados (por conseguinte condenáveis), são sinais de empreendedorismo (de admiração).
É possíveis identificar-se com facilidade a existência desta teologia, por exemplo, através da observação de determinadas publicações, dentre elas:
1) “O Monge e o Executivo”, como encontrar seu sucesso através de uma prática;
2) “Empreendedorismo Dando Asas ao Espírito”, cujo título e conteúdos são religiosos, mas substitui-se Deus pelo Empreendedorismo.

A sensação que se tem ao fazer a leitura desses materiais é a de que se todos forem empreendedores, todos serão bem-sucedidos como o Eike. Mas a própria teoria econômica sabe que não é exatamente assim que tudo funciona. O problema do desemprego no Brasil não depende somente da qualidade da oferta de mão-de-obra, mas também da oferta de empregos, do nível de crescimento da atividade econômica, da demanda por bens e serviços, dentre outros fatores. Em pouco tempo, com o nosso atual nível de profundidade, crítica e discernimento, o empreendedorismo vai passar de teologia a teleologia.

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